Disponível nas diversas plataformas sonoras a partir da sexta-feira 11, Animal Numeral completa o programa de lançamentos da dupla de música eletrônica e experimental Tetine para 2019. Há poucas semanas, havia saído Tetine vs Pasolini – The Baron, the Bishop, the Judge, the President and the Relative, com o qual Animal Numeral vem agora compor dupla afinada e mordaz.
A dupla formada pelo mineiro Bruno Verner e pela paulistana Eliete Mejorado está em atividade discográfica desde 1996 (no Brasil) e  desde 2001 (a partir de Londres, onde se radicou). A dupla atual de álbuns candidata-se imediatamente ao título de trabalho mais contundente e provocador do Tetine até hoje.
Tetine vs Pasolini origina-se da gravação ao vivo de uma performance apresentada no Sesc Paulista, cujo poder combustível passou desapercebido pelo sistemão quando da estreia, no quadro pré-eleitoral de junho de 2018. Sobre imagens do filme Salò ou Os 120 dias de Sodoma (1975), do italiano Pier Paolo Pasolini, Eliete e Bruno investem, num só fôlego, contra o fascismo italiano e o nazismo alemão, a ditadura civil-militar brasileira de 1964 e o clima proto-fascista que brota do Brasil desde a derrubada de Dilma Rousseff, em 2016.
Pano de fundo importante, além do filme de Pasolini, é O Bandido da Luz Vermelha (1968), do brasileiro Rogério Sganzerla, como demonstra a faixa “Why Bandido”, a única presente nos dois novos discos. A dupla ainda cita, entre as influências do disco, compositores e cineastas como Enio MorriconeBernard HermannPatricio GuzmánGillo Pontecorvo e Chris Marker.
Um painel vertiginoso de referências compõe Tetine vs Pasolini. “A Distância”, de título robertocarliano, provoca com excertos de “Roda Viva”, de Chico Buarque, e “Eu Vou Ter Sempre Você”, do popular Antonio Marcos, entre outras citações.  Em “Tourniquet”, levanta-se o ufanismo militar maldito de “Eu Te Amo, Meu Brasil” (1970), d’Os Incríveis. As citações políticas são explícitas em “You Bought It (Yr Social Security)” (“your president!!!, grita Eliete, com voz gutural-fantasmagórica) e “Nixon Medici” (com excertos de fala de imprensa branca a bajular os respectivos presidentes-criminosos dos Estados Unidos e do Brasil).
Pungente, “Aurora Auxiliadora” traz o discurso feminino emocionado que relata um dos (muitos) assassinatos perpetrados pelo regime ditatorial brasileiro de 1964-1984. “Fruturo do Pretérito”, sem precisar usar palavras, demonstra que os piores fantasmas do passado estão todos vivos, e desinibidos. “Pasolini Samba” conclui o experimento, como a dizer que Salò ou Os 120 Dias de Sodoma é aqui, e agora.
Tetine vs Pasolini compõe a face brasileira da moeda completada pelo britânico Animal Numeral, que tematiza alegoricamente a distopia do Brexit, tal como o anterior retrata o Brasil distópico pré e pós-bolsonarista. Os títulos falam por si, como “Canibalia”, “Rats and Humans”,  “Poisoned”. A investida, aqui, é contra a onda fascista mundial, o neoliberalismo agônico, a sociedade planetária que substitui cidadãos por zeros e uns, o genocídio esparramado pela face da Terra.
Compondo o círculo yin-yang com Tetine vs Pasolini, a faixa-título noir de Animal Numeral parodia o “Partido Alto” de Chico Buarque e canta em português límpido e direto, na voz de Bruno. Arte grande, Animal Numeral é pesado, tanto quanto imprescindível, tanto quanto Tetine vs Pasolini.