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Saturday, 25 February 2017

I don't spell A.R.T - sobre lugares, não-lugares, des-lugares

Comentário sobre o texto "Lugares do Que Não Tem Lugar" de Vladmir Safatle publicado no jornal Folha de Sao Paulo em 24/02/201ā
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Eu até tento mas não consigo gostar do Safatle, acho que minha antipatia começou por conta do ‘take' dele sobre música que acho  presunçoso, academicista-elitista e desprovido de qualquer vivência e pratica que não passe por aulas de piano e salas de concerto. Agora hoje acabei de ler um novo texto dele na Folha de Sao Paulo sobre “arte”. Sempre me pergunto,  por que o Safatle soa tão correto e de alguma maneira phoney pra mim? Será uma antipatia injusta da minha parte? Quem são seus reais leitores, seus interlocutores? Porque ele publica em um jornal como a Folha de Sao Paulo? Será que alguém acha isso também aí no Brasil? Talvez até eu esteja exagerando mas não consigo ‘sentí-lo’. Tem um ranço, tem algo que não consigo tirar do meu corpo quando leio suas coisas, em especial, discursos sobre música, arte & estética. A impressão que tenho é que a coisa toda fica sempre no meio do caminho em prol de uma resolução aparentemente 'delicada' e 'correta'. Sempre a mesma 'resolução'. Comento esse pequeno trecho em especial: 

Ele diz " ....  talvez seja útil lembrar que o destino da arte passa por nos mostrar como o que é desprovido de lugar, o que é desprovido de função pode expressar a insistência em um mundo outro, em uma forma outra de sensibilidade na qual a percepção das coisas não estará submetida à descrição unidimensional de sua função e lugar específicos.

Sim sabemos disso! O que não tem lugar, o que não tem função (e está em processo ou não) produz outros 'mundos' e portanto outras sensibilidades. Outra percepção. Outros 'juízos'? Agreed. E diria ate mais, produz também o indizível, principalmente se tomarmos ou pensarmos 'arte' como uma entidade, um objeto existencial, sensual que não necessariamente precisaria se estabelecer através de relações ou funções para existir. Um 'objeto' autônomo no cosmos. Des-relacional. Isolado como uma nova presença. E caracterizado particularmente pelo seu modo de existência. "Arte" ? Uma entidade real capaz de existir isoladamente de uma experiência (withdrawal) e uma entidade sensual que "experiênciamos" (relacional, experiencial, intencional, ou solta, de-relacional, existencial, impenetrável). Penso aqui tanto nos 'modos de ser' da metafísica 'ferramental' Heideggeriana, e mais adiante, no 'weird' realismo especulativo de Graham Harman que também me vem a cabeça como uma extensão abstrata. E daí?

Mas para quem Safatle fala em seu texto? Que destino é esse hoje? Útil pra quem? Como isso funciona no Brasil? Para o seu 'leitor-artista', para curadores, para colecionadores, para as instituições? De que ‘arte’ Safatle realmente está falando? São tantas. Essa me parece a maior pergunta aqui. Hoje? Ontem? De que 'artistas'? O que significa ser artista em 2017? 

Esse sopro, essa angústia e esse não-lugar, ou melhor (des-lugar) da 'arte' (ou do 'artista' se estendermos esse raciocínio), esse espaço de não-pertencimento sem função está no ar desde que o mundo é mundo. Está no ar. E hoje, não é nem mais subterrâneo. Nada. Nem os processos. Nem os atos. Nem os movimentos. Tudo é imensamente visível. E cru, como a superfície dos sujeitos e dos objetos. E por isso incomoda. No entanto Safatle fala sobre esse nao-'lugar' sem realmente falar, sem realmente estar. Sem realmente acessar o corte, o "velado", "o wierd"; essa outra presença-aparentemente ausente nos objetos e sujeitos existenciais. Safatle permanece na superfície, sem chance de se afogar na piscina. Minha impressão é que 'mistificando' o processo (como algo intocável, oh essa grande dama.... a "arte", as "artes") Safatle responde e confirma o cansaço, a paralisia e a impossibilidade de seu objeto ( no caso aqui a "arte"). 
O destino de sua "arte" (seu objeto), mesmo pretendendo-se emancipatório me parece resignado, sem tônus. Falta algo, falta energia. Falta sexo. De onde vem sua voz? O meu problema com Safatle talvez comece na voz. Não se trata unicamente de 'arte'. Ainda sim, sabemos, que este 'des-lugar' está na pele de qualquer ‘artista’ (indivíduo, grupo, coletivo, entidade, vitalidade etc) que não tenha sido abocanhado ainda pelo mercado branco Brasileiro e pelos processos do capital financeiro. Como diria Chilly Gonzales brilhantemente e brutalmente na sua cara e em canto - 'I don’t spell A.R.T." 

Não há tanta diferença entre ‘artistas' hoje e especuladores imobiliários, gentrificadores ou business men & women. Todos os ‘escolhidos' participam dessa economia, gostam desse rush, 'criam' em função disso. Gostam dos números. Gostam de 'funções'. Posições. Escalas. Gostam dos jantares, das fofocas…. em suma são 'funcionais' na medida - you get my drift. Geralmente são artistas medrosos, arrogantes, repetitivos, pomposos e cheios de auto-piedade. Portanto nesse contexto  (que não é e nem nunca será um contexto de 'vulnerabilidade real', principalmente se pensarmos no Brasil). Quem faz "arte" no Brasil?  

Quem tem medo é porque está protegido, não? 


Assim como a ‘Arte’ (a grande personagem do texto de Safatle), 'artistas' hoje têm uma função-padrão. Clara, definida, caracterizada. Fechada em si. Um papel bem definido na escala numérica, capitalizada e colonizada de seu espaço e tempo de atuação. Seus afetos foram infantilizados. Igualados, simetrizados aos de seus sponsors e opressores. Nesse caso, não interessa tanto se a 'arte' volta-se a si mesma, reconstruindo o aspecto de sua auto-referencialidade e tornando-se seu "proprio objeto" ou  quando se atualiza em "engajamento"  e em função social como Safatle descreve exemplificando a dinâmica em dois modos, duas saídas que restaram. Mas que diferença isso faria para o monstro?  Para o capital? Para a coisa? Para o mercado branco? Para "Arte"? Para sua ontologia?

Não precisamos lembrar como se formam 'artistas escolhidos' hoje e também não precisamos ir a fundo na obviedade e decadência brutal das escolas de arte, das universidades, das galerias comerciais, dos museus ou das salas de estar de dondocas, colecionadores, curadores, galeristas e artistas. Assim como robôs de pintos moles num plot ficcional ruim, 'artistas'  compram 'sensibilidades' na mesma medida em que curadores compram 'discursos' e vice versa. Não há muita distinção. Assim como o texto de Safatle, por sua vez, se desdobra na ‘função' de formalizar (já normalizando) um ‘destino’, um novo 'medo' mediano para então definir o 'lugar' ou 'não-lugar' natural da 'arte', produzindo então uma outra nova função no próprio sistema que o filósofo aparentemente (e 'delicadamente') expõe. Não consigo pensar em outra lógica. Essa é a missão.  A retórica de Safatle simula movimentação mas é fechada em si e portanto contra-contracultural. Por isso é un-sexy. Não goza. Me parece sempre destinada a continuar re-iluminando as mini-certezas de uma inabalável e amendontrada classe Brasileira mal-educadamente bem 'educada', semi-erudita e bem comportada.


A pergunta que nao cala é:
Como se 'liberar' disso Safatle? 
Como livrar o corpo do ódio?
Como nao ser hipócrita?
Como nao ser elitista?


Afinal (no final) que 'liberdade' é essa? Que arte é essa? Que vida? Que afronta?
Who put you in prison?

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Comentário sobre o texto "Lugares do Que Não Tem Lugar" de Vladmir Safatle publicado no jornal Folha de Sao Paulo em 24/02/2017

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Thursday, 5 November 2015

Sobre Vladimir Safatle e "O Fim da Musica"


Em que condomínio esse pavão de terno passado mora? Eu gosto do Christian Dunker mas definitivamente Vladimir Safatle está anos-luz pra trás, pelo menos quando pensa ou teoriza música pop ou mesmo 'erudita' - se é que é possível ainda utilizar esse termo. Nenhum artista brasileiro se manifestou sobre isso?

Tô escrevendo isso porque li a matéria sobre o 'fim da música’ do Vladmir Safatle no Brasil e também uma réplica bem mais esperta de um outro crítico (Acauan Oliveira) na página do Pedro Alexandre Sanches. Eu ja tinha achado o 'filósofo' (Safatle) elitista pela matéria publicada na sua coluna da Folha De Sao Paulo mas a explicação dele na TV cultura, alguns dias mais tarde, é realmente bem pior, além de ressaltar mais nítida e acusticamente quem o boneco formalista é. Pela fala. Pela voz. Argumentos e cacoetes linguísticos pedindo 'processsos de complexificação' na forma da canção popular.... falando em covardia critica, inovaçao formal... ou stuff like this "o pessoal da favela, da periferia nao tem acesso a John Cage e Ligeti….” ??? Pensei. Que papo é esse filósofo? 

Na televisão ele continua: quando isso NĀO seria um problema? 

Eu digo quando isso seria um probelma? Por que isso seria um problema? Como ele sabe que o 'pessoal da periferia e das favelas' nao tem acesso? Quem garante que ter acesso a Ligeti te faz mais 'especial' como músico e interfere na sua criatividade? Quanta presunção. Quanta leitura mal feita rapaz. E ainda dispara caretices como "veja bem nós conhecemos momentos de simplicidade que foram decisivos na musica popular"…e "mesmo nessa musica de maior consumo"…. ou mais chavão ainda …. "blues, punk…graças ao punk vc teve 10 anos de maior produtividade no rock mundial"….  "uma simplicidade bloqueadora". Para então sacrifar Deleuze & Guatari numa empreitada elitista contra o Funk. Sempre o Funk. Diz ele: "Nao há dinamica no interior dessas formas"

Tenho a impressão que o filósofo nao sabe absolutamente nada sobre Funk - tanto estética como historicamente - e se embaralha um tanto também com o legado de John Cage e outras posteriores cenas (e/ou simbologias) músico-espaciais 'sérias' ou não, 'eruditas' ou populares surgidas ao longo da imensa e descontinua narrativa do pop brasileiro e mundial. O fato é que pega mal pra xuxu ridicularizar as influências do FUNK em TV publica e sua maior potência, o beat, o sampler como um procedimento afetivo estético-histórico-sonoro-político e a voz (ou a não-voz) depois de tudo isso. 
Do mesmo modo tenho a impressão que o filósofo nunca acompanhou a evolução da música eletrônica brasileira e tão pouco os 5 exemplos das músicas mais tocadas no Brasil que a apresentadora exibiu pra ilustrar a matéria na TV Cultura. Eu não entendo de sertanejo universitário, não acompanho e não é minha praia, mas pelo meu ouvido os exemplos que a apresentadora mostra estão na verdade muito mais próximos de uma "estrutura formal” tradicional da canção MPBistica (como o filosofo parece sugerir), isto é, de uma estrutura pop como conhecemos do que para uma outra historia qualquer. 
Em outras palavras: não há dinâmica no interior da fala de Safatle, só o estado bruto de um 'afeto' generativo não-libertador, preconceituoso e classista.

O fato é que muito chão rolou, muitas 'segundas escolas vienenses' de fato se estabeleceram no mundo e cenas & micro-cenas invisíveis e consistentes se criaram em todo canto. Em todo canto. 
Outras tensões vieram à tona, para usar um jargão do discurso de Safatle na TV. Tensões sociais, sonoras, plásticas, simbólicas e ideológicas que não podem ser ignoradas.
Fico aqui pensando... chega desse discurso clichezento elitista-bossanovista da 'sincope de João Gilberto’  - essa foi uma justificativa de anos da nossa música popular brasileira MPB comandada pela classe media e alta para enfraquecer ou desmerecer outras tensões (pulsões) ou mesmo outros tipos de música (ou mesmo anti-musica) que fugiam de um formato cristalizado nos braços de violão do país. Do mesmo modo, essa ja é considerada uma fala-discurso entoada por todos os nossos velhos articuladores musicais; um discurso critico dominante repetido, reformulado e requentado há anos no Brasil. O nosso ABC..... aquele, de quem leu o 'Balanco da Bossa', fez a liçao concretista, tropicalista mas nunca saiu de casa e parou/vagou por ai. Nesse sentido o discurso de Safatle torna-se pouco generoso, caduco, com poucos insights, canônico, 'escolar', reprodutor, sistematizador-autoritário disfarçado de libertário. Fico perplexo quando descubro que ele é um rapaz novo, parte de uma nova cena de intelectuais brasileiros... mas carregando os mesmos cacoetes. Não adianta só pedir a tensão. A tensão se manifesta, ela já esta no ar - digo estética e historicamente. Esta no break, nesse intervalo, nessa fissura. E está no Brasil principalmente em suas micro-cenas sufocadas mas ainda respirando. A tensão está (e esteve) no rap, no funk, no experimental, na eletrônica, no post-punk e até mesmo na 'nova' MPB, mas é preciso sair, ou entrar de vez... dar uma volta na rua e entender a tensão, entender a escuridão. Pisar nos ovos. Tirar os óculos. 

Não adianta transformar a coisa em um 'sistema' e ficar parado em algum lugar entre a 'universidade' e um 'projeto harmônico' saudoso que um dia te tocou. 

Esse elitismo é e sempre foi a pior coisa estampada na voz e no corpo daqueles que frequentaram escola particular no país. Não é simplesmente uma questão estética, é uma questão de classe.



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