O GLOBO - Vcs anunciaram que o novo album é decidado ao filme "O bandido da luz
vermelha", de Rogerio Sganzerla, inclusive incluindo nele a música "O
bandido". Qual a ligação? Sei que vcs já fizeram uma
performance, tocando enquanto o filme era exibido.
Pra gente existe uma conexão esquisita, quase mística entre o que o
Sganzerla e a Helena Ignez fizeram em relação a produção de cinema deles e o
que a gente faz com música. São muitas coisas em comum
nas trajetórias e isso ficou muito visível pra gente depois
que conhecemos a Helena pessoalmente. Foi um prazer imenso e uma coisa muito
importante pro Tetine quando ela participou ativamente na nossa performance no Sesc Vila Mariana. A musica 'O Bandido'
foi escrita especialmente pra ela como uma declaração de amor mesmo. Descobrimos ali muita coisa em comum, o jeito de trabalhar, o modo de
lidar com a industria e com o mercado no Brasil, a história de não fazer
concessões quando se está criando algo autoral, o lado da
performance e do improviso que também eram bem presentes nos filmes,
as produções independentes e por ai vai. Sentimos uma identificação
imediata com a história toda. Por isso dedicamos o disco ao filme.
Apesar do 'In Loveland With You' não ser diretamente um disco sobre o
filme, da pra dizer que foi muito influenciado, principalmente porque muitas
das canções do álbum nasceram depois que fizemos esse projeto.
Estamos em tempos completamente diferentes, mas estamos falando de
questões similares só que usando um outro suporte, no caso o som.
O GLOBO - Como o novo disco se relaciona com os seus trabalhos anteriores. É mais
uma ruptura do que uma continuação, não? Afinal, ele tem momentos mais
introspectivos do que dançantes
Sim, nesse sentido ele é bem menos luminoso que os
nossos últimos discos. Sonoramente eu acho ele mais
apocalíptico, um pouco mais pessimista que muitos dos trabalhos anteriores,
mesmo nos momentos mais dançantes. As canções são mais complexas, as melodias
são mais tensas, as estruturas menos obvias e tem muito texto o tempo todo. O
disco foi concebido como uma coisa só, as faixas se interligam, contam uma
história. Funciona um pouco como o nosso 'cinema'.
''In Loveland With You' é um disco melancólico, mais
experimental mesmo. Se você ouve ele de cabo a rabo funciona
como uma espécie de audio movie.
O GLOBO - Como foi o processo de criação desse disco? Ele demorou mais tempo do
que o normal (para vocês) para ser criado?
Foi bem doméstico, o disco foi todo gravado em casa no nosso estudio
ao longo de 2 anos. Começamos em 2010 e acabamos no final de de 2012.
Foi um disco que foi amadurecendo a medida que gravávamos e não teve
pressa nenhuma pra finalizar. Ele reflete bem os nossos dois últimos anos.
O GLOBO - Há algum tipo de conceito envolvendo as letras desse disco? Elas parecem
mais sombrias do que o normal.
Existe um espaço psíquico como conceito que chamamos de 4* mundo.
Esse é o mote por trás do disco todo. Pra gente esse conceito
funciona como uma espécie de metáfora para falar de um 'estado', de lugares
não-específicos, de aquecimento global, de tecnologia, de guerras políticas e
biológicas, de industria. Estamos falando de uma sensação constante de
falência emocional e espiritual que me parece uma coisa global no mundo pós-capitalista. Algo
que pode estar no Brasil, na Inglaterra, no Líbano ou em qualquer outro
endereço. De uma prisão psíquica e corporal como cantamos em faixas como
'Burning Land', 'Loveland', Shake e Dream Like A Baby. Acho que as
músicas falam sobre esses 'disfarces' que afetam o espaço que vc ocupa no
mundo de agora, como uma maquiagem sempre pronta, como um
"anti-inflamatório" constante.
O GLOBO - Como surgiu a parceria com Arnaldo Baptista, na faixa "To
burn"?
'To Burn' foi composta por mim e pela Eliete com a letra do Arnaldo e os
vocais dele em contraponto aos nossos. A parceria surgiu a partir de um disco
que estavam fazendo sobre a faixa 'To Burn Or Not Burn' do Arnaldo. Dai criamos
o To Burn. Nos convidaram para participar mas o disco acabou não saindo. Depois
que gravamos achamos que a sonoridade tinha tudo a ver com o 'In Loveland With
You' que estavamos começando a fazer na época e dai decidimos
inclui-la no álbum.
O GLOBO - Algumas faixas, como "Burning land", "Tuva",
"Joy N2" e "Shake" tem um aspecto cinematográfico, são
quase visuais. De alguma forma o cinema (além de Sganzerla) foi uma influência
nesse trabalho?
Cinema é uma comida muito importante pro
Tetine desde que começamos. Essas faixas são mais fílmicas, mais atmosféricas e
com um outro tipo de densidade sonora.
As faixas do disco de um modo geral são bem experimentais tb nas suas
estruturas, mesmo as canções. Filmes como "The Trial" do Orson Wells,
"O Bandido" do Sganzerla, "A Woman Under Influence" do
Cassavettes foram muito importantes e acho que muitas imagens ficaram grudadas
na memória e isso tb acabou influenciando o processo de criação do disco.
O GLOBO - O disco tem participações também de Alex Antunes e Ricardo Domeneck.
Como foram essas gravações? Á distancia mesmo ou vcs estiveram juntos?
A distância. O Alex mandou pra gente a letra de Eu To em
Chamas e a primeira ideia era fazer uma dobradinha entre ele e a Eliete. Os vocais da Eliete ficaram guardados ate que
resolvemos criar uma música nova para ela. Ai nasceu "Eu To Em
Chamas" que tem letra do Alex. Gostamos muito do resultado e resolvemos
coloca-la no disco.
O Ricardo é um grande poeta, parceiro e amigo de muitos anos
aqui na Europa. Fizemos várias coisas juntos e ele lançou pela pequeno
selo dele Kute Bash o nosso vinil do LICK MY FAVELA em 2006. Fizemos "Mula" em colaboração. A música nasceu da ideia de
fazermos algo juntos em cima da palavra e do conceito de MULA e foi amor a
primeira vista quando rolou. Estávamos numa sintonia muito parecida e falando de coisas similares, de
deslocamento, de imigração, de 'cascos não retornáveis". De um lugar
fora do lugar.
O GLOBO - Vcs já estão radicados em Londres há mais de dez anos. Qual é a sua
relação com a cidade nesse momento (estabelecidos? querendo voltar ao BR?) e de
que forma ela influencia o que vcs fazem?
Sim há mais de 13 anos. O leste de
Londres é a nossa casa desde 2000. Nossa vida gira em torno do mesmo
bairro que moramos desde o começo. Aqui conhecemos todo mundo do sapateiro, do
fruteiro, dos caixas de supermercado aos outros artistas que moram
na área e o povo da noite e tal. Foi aqui que passamos mais da
metade da história do Tetine. Nosso processo
criativo é muito influenciado pela cidade, muito influenciado pelo
bairro. Foi aqui que fizemos a maioria dos vídeos do Tetine. É aqui que
nossa filha vai na escola e nosso trabalho é um reflexo disso tb.
Aprendemos a amar muito tudo isso. O senso de humor, as autocríticas, o
anonimato. É daqui que saem a maioria das
nossas observações. É uma vida simples, sem carro. Vamos na
lavanderia, nos cafés, isso tudo acaba virando música de alguma forma. Tem
um elemento de domesticidade muito forte no dia a dia que reflete o que estamos
fazendo como artistas.
Ja o Brasil é um caso de amor antigo, funciona como um namorado mas não sei se o Tetine existiria ainda
se estivéssemos morando no Brasil. Sempre existiu um deslocamento grande com
relação a nossa música, às performances que fazíamos, e também com o jeito
independente de trabalhar. Era difícil um espaço pra
existir dignamente. As pessoas não sabiam onde
nos encaixar. Se era da cena de música, do video, das galerias de arte, etc. No
'In Loveland With You' falamos muito sobre isso tb entre outras coisas.
Labels: bruno verner, electronica, eliete mejorado, experimental, helena ignez, in loveland with you, mula, new album, o bandido da luz vermelha, ricardo domeneck, rogerio sganzerla, slum dunk, tetine, tropical punk